Era um dia comum – ou melhor, uma noite comum – e eu voltava da faculdade, como sempre, isolada do mundo.
Vou e volto de carro, por isso, ás vezes, me sinto solitária. É bem estranha a sensação, sabe. Estou lá no meu carro, cantando como louca, dirigindo idem e, de repente, percebo que estou só, em minha insanidade. Vez ou outra um motorista parado ao lado olha na direção do meu carro e quando vê que a motorista vizinha parece estar recebendo algum espírito, ri. É boa a sensação de provocar o riso em alguém tão isolado quanto eu. Sinto que estou em um mar de carros, embora trancada dentro do meu submarino particular.
Nessa noite comum sentia-me assim quando o vizinho que me acompanhava no farol vermelho olhou, riu e continuou olhando. Eu olhei de volta, ele olhou de volta, nos olhamos, sorrisinhos aqui e ali e pronto!
Ele e seu carro foram meus companheiros de percurso, com direito a buzinadas e piscadas de faróis – incluam-se tentativas tresloucadas de fazer com que eu parasse o meu carro no meio do trânsito.
Sou louca, mas tenho um filho para criar!
Depois de uma hora de perseguição, troca de olhares e muitos risos, sentia que eu e o estranho do carro ao lado havíamos estabelecido um relacionamento. Mesmo dentro do meu submarino, não me sentia mais isolada.
Paro ou não?
Por que não?
Parei!
Já disse que tenho um filho para criar?
Pois é, parei o carro em frente à delegacia de policia. Se o estranho simpático fosse um psicopata ou sociopata não teria a audácia de me atacar em frente ao local onde poderia passar boa parte da sua vida, caso o fizesse.
Não sai do carro. Deixei o motor ligado. Esperei.
Ele saiu do carro dele e veio em direção ao meu. Parou na janela e conversamos futilidades por cerca de dez minutos.
Moço simpático.
Eu havia decidido relevar a aparência. Afinal, ela não é tudo mesmo. Para o Vinícius é fundamental, mas também ele “tava podendo”. Se estivesse na minha situação, certamente não teria escrito isso.
Logo tive o insight: Encontrei o futuro pai do meu filho!!!
Trocamos celulares (fixo, nem pensar) e por um mês ele foi presença constante na minha lista de chamadas perdidas – sempre perco as ligações de celular – e algumas atendidas.
Marcamos encontros que não aconteceram e eu já estava desencanando quando, num outro dia comum, quem é meu vizinho de farol vermelho?
Dessa vez desci do carro – para o moço simpático reparar que eu tinha as duas pernas e respectivos pés – e a conversa durou bem mais que dez minutos.
Devo dizer que, sinto-me na obrigação, ele tentou me beijar algumas vezes.
Eu sou moça para casar, você deve saber. Não vou beijar um rapaz que conheci no trânsito, mesmo que nosso relacionamento já dure um mês.
Beijo na boca só depois de uns dois meses, nos quais deve haver encontros semanais que garantam o comprometimento de ambas as partes no que diz respeito ao relacionamento comum.
Estávamos marcando uma balada para o final de semana seguinte, quando olhei para o relógio e notei que já era bem tarde e que meu filho já deveria estar sentindo minha ausência.
Compartilhei minha angústia com o moço simpático, pois ele era forte candidato ao posto de pai.
- Você tem um filho?
Deu vontade de falar: um não, eu tenho treze. Sabe, comecei a procriar cedo e gostei demais, tanto da parte de fazer, quanto da parte de fazer também. Fazer é bom, sou viciada, confesso! Não me puna, não me culpe, quero ir para o céu – mas tenho um filho para criar, lembra?
- Sim, um filho lindo que está me esperando em casa.
Despedimos-nos com a promessa de que o final de semana seguinte seria especial.
Cheguei em casa pulando de alegria e logo fui contar à Lipe a novidade:
- Papai, logo, logo, estará aqui com você...
Ele não entendeu patavina, mas deu-me o beijo costumeiro e tão agradável de “seja bem-vinda em casa, mamãe”.
A semana passou e ele não me ligou para confirmar a hora do encontro. Para ser honesta com você, nem o local, tampouco. A segunda semana passou... a terceira semana passou... estou na sexta semana de espera, mas ainda não sei se devo ou não desistir.
Será que o moço feio, embora simpático, desistiu de mim porque eu tenho um filho?
Ah! Que bobagem minha pensar isso. Vivemos em um mundo globalizado no qual as mulheres têm os mesmos direitos que os homens. Preconceito é tão fora de moda!
Ele deve ter perdido o celular ou a agenda e está desesperado, pois queria ocupar a vaga de pai de Felipe, tanto quanto eu queria que ele ocupasse.
Acho que vou esperar só mais uma semana.
Se ele não aparecer, rodo no meu salto e penso: Bom, cargo vago? De volta à caça!